Templo Caboclo Pantera Negra

Pensamentos sobre Ordens Iniciáticas Ocidentais

Por Mario Filho

 

Esta é uma mensagem que escrevi, há alguns anos, a um querido Irmão, na qual falo sobre algumas Ordens Iniciáticas Ocidentais em especial o Martinismo:

 

Caro Irmão,

 

Acredito que não posso e não devo falar da Ordem Maçônica dos Elus Cohanin (Coën) do Universo, pois há muito tempo não pratico nada desta Ordem. Confesso-lhe que as Ordens iniciáticas ocidentais me desapontaram e continuam a me desapontar. Lendo as obras de René Guénon, com mais afinco, consigo entender o porquê dele ter abandonado todas as Ordens das quais fazia parte. Elas já não tinham lugar em sua vida. Creio que o mesmo aconteceu comigo. Foram anos e anos de práticas, várias noites de estudos, períodos enormes de abstinências e jejuns que não foram suficientes para minha completude. O encontro com La Chose, a grande busca dos Elus Cohanin, que muitos preferem ignorar e fazer de conta que não é a verdadeira busca da Ordem, aconteceu, entretanto, vi, com o tempo, que a busca pelo fenômeno era uma coisa sem sentido. Tem-se o fenômeno e depois? Para que o fenômeno serve? Quem aparecerá? O que que eu quero? Estas perguntas ficaram sem resposta dentro do contexto das Ordens iniciáticas ocidentais.

 

Meu Irmão, fui iniciado na Ordem Martinista aos 18 anos, há trinta anos. Fui iniciado Elu Cohen aos 27 anos. Aos 34, Réau-Croix. Participei de inúmeras Ordens, muitas das quais você conhece, outras eu só sabia que existiam por livros, acreditava, inclusive, que elas não existissem realmente, eram apenas lendas. Entretanto, todas elas não descobriram, ainda, para que servem. Cavalaria espiritual, irmandade perfeita, último esteio da Iniciação, força desagregadora das trevas etc são frases de efeito muito bonitas para todas elas, mas elas realmente são o que dizem ser? Quem garante? À qual tradição, “guenoniamente” falando, pertencem? Cumprem o que prometem? Você sabe que as respostas a essas perguntas nos desapontam. Quantas Ordens Martinistas existem? Quantas Ordens Elus Cohanin? Quantas obediências maçônicas? Quantas linhagens? Não estou me referindo às Ordens que são criadas para acomodar pensamentos, mas àquelas que surgem em face a diversas brigas e contendas que permeiam todas elas.

 

A Ordem Martinista instalada no Brasil no início do Séc. XX virou o Instituo Neo-Pitagórico. A Ordem Martinista da América do Sul, em nosso país, se torna a Igreja Expectante. Nos anos 70, Ary Ilha Xavier, de Cachoeira do Sul, que havia sido iniciado na Ordem Martinista (a que se tornou o Instituto Neo-Pitagórico, mas a que ele não queria seguir), se dirige à França e consegue ser reconhecido como S.’.I.’.I.’. pelo filho de Papus, trazendo para cá a Ordem Martinista (conhecida como a Ordem Martinista de Papus), mais uma vez. Rapidamente essa Ordem se expande formando grupos em todo o Sul e Sudeste. Emilio Lorenzo vem ao Brasil, instala outras Ordens e Lojas, confere o grau de S.’.I.’.I.’. a muitos Irmãos e a coisa anda. Ary e seu maior amigo Otto morrem. A Ordem Martinista fica sem chão. Um outro S.’.I.’.I.’., o “Seo” Jaime, assume a Ordem e tenta mantê-la. Com “Seo” Jaime as coisas começam a mudar no entendimento da Ordem Martinista. Começa-se a pregar um novo e terrível conceito: a Ordem não inicia negros, pois estes não têm alma; as mulheres não podem alçar ao grau de S.’.I.’.I.’. pois não tem o Yud (num sentido esotérico não teria o princípio de criar, inerente ao sexo masculino, segundo o entendimento dele). Isso passa a ser uma verdade na Ordem Martinista e foi nesta Ordem Martinista em que fui iniciado. A Igreja Gnóstica, o Rito Escocês Retificado e o Antigo e Primtivo Rito de Memphis e Mizraim, entre outras Ordens, passam a ser Ordens internas da Ordem Martinista. No inicio dos anos 90 houve uma série de questionamentos a respeito dessa forma de conduzir a Ordem. Há um grande racha, com muitas brigas. Os Irmãos de São Paulo são os primeiros a se rebelar contra o que acontecia. Começa-se a busca por outras Ordens Martinistas pelo mundo. Encontra-se a Ordem Martinista dos Cavaleiros de Cristo, revivida por Remy Boyer. Ela é instalada em São Paulo. Vários grupos martinistas se afiliam a ela. Mudam-se os rituais e mudam-se os pensamentos: todos, agora, são iguais perante a lei!

 

Pouco tempo depois há, novamente, em São Paulo, outro racha. Membros do grupo que iniciou a revolta disputam poder para ver quem comandaria a OMCC. Um deles, secretamente, faz o curso no International College of Esoteric Studies (ICES), em Barbados. Vai para lá e é iniciado como S.’.I.’.I.’.L.’. e recebe a consagração de Bispo Gnóstico. Quando retorna apresenta seus certificados ao seu contendor, dizendo que ele, agora, era, por direito, o verdadeiro líder. O pau come! Novo racha. Surge a Ordem Martinista & Sinárquica (OM&S), ou melhor, ela é estabelecida no Brasil pelas mãos do S.’.I.’.I.’.L.’. que estudou no ICES.

 

O que queria liderar a OMCC, à exemplo do, agora, Grão-Mestre da OM&S, viaja aos EUA em companhia de outro Irmão e ambos recebem o grau de S.’.I.’.I.’.L.’. e são consagrados Bispos Gnósticos. Tratativas são feitas para que um dos americanos venha ao Brasil para a instalação de uma Loja Elu Cohen. Isso é feito. Instala-se uma Loja Elu Cohen em São Paulo. Outras são instaladas no Sul, pois a grande maioria dos sulistas, graças à força de articulação que o grupo de São Paulo, em questão, tinha, cooptou a maioria das Lojas Martinistas que seguiam a Ordem Martinista, sendo que esta passa a ser denominada “do Ramo Brasileiro”. Isso causou uma dissenção enorme. Irmãos de sangue passaram a não se olhar. O “Seo” Jaime ficou tão triste, dizem, que ficou perturbado mentalmente com o abandono.

Outro golpe iria acontecer. O Grão-Mestre da OM&S, não satisfeito com o chapéu que havia tomado no comando da OMCC vai à França, entra em contato com Remy Boyer e volta de lá com as Cartas Patentes todas: as possíveis e as impossíveis. Outro baque, novos rachas! Instalam-se por completo inúmeras Ordens no Brasil e o comando de quase todas elas está nas mãos de uma única pessoa. Remy Boyer vem ao Brasil, demonstrando que tudo está muito bem. Eleva ao Grau de Réau-Croix alguns Irmãos [último grau da Ordem Maçônica dos Elus Cohanin (Coën) do Universo].

 

O grupo de São Paulo, aquele que originou a rebeldia, abandona a OMCC. Continua a praticar os rituais dela, mas sem se ligar a ela. O Grão-Mestre vai, num dia de reunião, até lá e, publicamente, abate as colunas da Loja, apresentando a Carta de abatimento de colunas da Loja. Nova celeuma. Mais problemas. Começam-se novas buscas. No início de 2000 a Ancient Martinist Order (AMO) é criada nos EUA. Esta não surge de nenhum racha anterior, mas de uma necessidade de se acomodar várias tradições e ritos sob um único guarda-chuva. Não houve um desvinculamento da OMCC, mas uma dupla pertença. O grupo de São Paulo, rapidamente, se associa à AMO.

 

A OMCC, a OM&S e várias outras Ordens estão sob o comando de uma única pessoa. Como você bem sabe o poder corrompe. Há novos rachas de Lojas descontentes com a condução dessas Ordens. Muitas delas se filiam à AMO. Novos mal-estares.

 

Remy Boyer fica sabendo de tudo isso e abate as colunas da OMCC no Brasil (dizem que ela retornou às atividades, mas não posso confirmar, no Rio de Janeiro). Ficam, então, disputando, ou melhor dizendo, se degladiando para ver que manda mais e quem tem as verdadeiras iniciações. A OM “ramo brasileiro” se definha, tendo apenas duas Lojas no Sul.

 

Começam, então, outras desavenças. A AMO, no Brasil, é deixada de lado por vários grupos. Acontecem problemas e a direção da AMO nos EUA abate as colunas do Ordem no Brasil (dizem que esta também ressurgiu em nosso pais, mas não posso confirmar). Cria-se, então, a Ordem Martinista do Brasil e a Ordem Martinista Martinezista do Brasil, que acolhe grande parte das Lojas que haviam ficado sem a direção de um orgão central. Com a morte do “Seo” Jaime toda as Lojas do ramo brasileiro se afiliam às Ordens que citei neste parágrafo.

 

Por que, meu Irmão, fiz todo esse retrospecto? Simples, mostrar que as Ordens ocidentais não conseguem dar conta da condição humana. Você pôde observar que em 20 anos, aproximadamente, houve inúmeros rachas, batalhas e inimizades entre os que deveriam se considerar Irmãos. Ora, claro é que Irmãos brigam, mas houve coisas muito feias que não conseguiram ser dirimidas. Participei diretamente de todos esses fatos, não como observador, mas como parte do processo. Amargores existem até hoje. Não falo com a grande maioria dos membros das antigas Lojas martinistas, passei a ser mal-visto, como persona non grata, bem como muitos outros Irmãos.

 

Assim, eu, Sâr Wladimir e Sâr Mejnour, todos com os últimos graus das Ordens que existiam no Brasil ou perto deles, resolvemos buscar o máximo possível de Ordens que pudéssemos encontrar. Quem fosse iniciado em uma delas transmitiria a iniciação aos demais. Tudo isso foi facilitado, é claro, por nossas Cartas-Patentes e Certificados de Grau, os quais eram reconhecidos pela grande maioria das Ordens ocidentais. Com isso colecionamos mais de 50 Ordens o que, para nós, passou a ser motivo de chacota. Não nos importava qual Ordem fosse, o importante era pertencermos a ela (algumas de fundo ético que não me apeteciam, como você bem sabe, e outras que não tinham nada a ver conosco, mas isso não nos importava muito). Pessoas vinham de outros países para trocar linhagens conosco, especialmente da Espanha, Estados Unidos e países da América Latina ou para terem suas linhagens reconhecidas por nós.

 

Sâr Wladimir resolve trilhar seu próprio caminho e nos deixa. Sâr Mejnour não aprova isso e fica muito chateado. Continuamos, Sâr Mejnour e eu, a procurar por Ordens. Chegou uma hora que não encontrávamos nada de novo. Conhecemos muitas pessoas legais, estreitando laços com quem nem imaginávamos. Sâr Mejnour, então, estabelece o Soberano Santuário da Gnose, criado para acomodar as diversas Ordens que possuíamos. O SSG tem uma ascenção meteórica, graças ao alto poder pessoal que Sâr Mejnour detinha. Sâr Wladimir, após alguns meses afastado, retoma a ligação conosco, que não dura muito, sendo afastado por Sâr Mejnour. Infelizmente, dois anos após a criação do SSG Sâr Mejnour é assassinado. Com a morte de Sâr Mejnour eu coloquei o SSG em adormecimento.

 

Mesmo antes do trágico e fatídico acontecimento havido com Sâr Mejnour, as coisas começaram a ficar sem sentido. O “grande barato”, para nós, era a constante procura por algo novo, algo que não conhecêssemos, que fosse diferente daquilo que já tínhamos, porém os rituais eram quase todos idênticos, a doutrina parecidíssima, as práticas eram cópias da Golden Dawn. Assim, não havia mais interesse na procura, pois percebemos que nada de novo conheceríamos.

 

De todas essas buscas que fizemos algo unânime nos tocou: a religiosidade afro-brasileira. Sâr Mejnour se tornou Babalorixá, sendo meu iniciador. Sâr Wladimir começa a se interessar pela Jurema e pela Obeah caribenha. Interessante é que um processo parecido aconteceu na Europa e nos EUA. Muitos martinistas de lá se iniciaram na Santeria, outros foram para a Nigéria e se iniciaram em Ifá. Alguns, mais uma vez, vieram para o Brasil e foram iniciados por Sâr Mejnour ou por outras pessoas, inclusive por mim, na Umbanda e na Kimbanda.

 

Até mesmo o Grão-Mestre da OM&S foi visto num Terreiro de Umbanda, se consultando com um Preto-Velho, o que foi motivos de muito riso entre nós, pois ele ficou muito constrangido ao ser surpreendido por lá. O Venerável da outra Loja, a primeira que se rebelou, solicitou um dia um contra-feitiço para Sâr Wladimir, pois ele havia sido vítima de um filtro de amor, feito por uma praticante da Wicca e ele não conseguia lidar com aquela energia, mesmo sendo Réau-Croix, Bispo Gnóstico, S.’.I.’.I.’.L.’. etc etc etc. Sâr Wladimir, disfarçadamente, lhe passou uma prática de Santeria. No entanto, dado ao sincretismo, o Venerável não sabia que estava fazendo algo de Santeria, mas acreditava que fazia algo da prática cristã. Ele ficou bem e até hoje não sabe que praticou uma “macumbinha”!

 

Meu Irmão, retornando ao início da mensagem e à ideia principal dela, digo-lhe que não há porque divulgar minha ligação com a Ordem dos Elus Cohanin, pois não acredito em sua efetividade. Não vou oferecer algo em que não acredito, cuja eficácia é apenas fenomênica. Há alguns anos julguei muito mal Saint-Martin, que considerava a magia cerimonial de Pasqually sem sentido, preferindo a mística de Boehme. Hoje eu o entendo perfeitamente, assim como entendo René Guénon. Não estou querendo, com isso, desestimulá-lo de qualquer busca ou pertença a Ordens, ao contrário, estou apenas falando de mim, apresentando-lhe os motivos que tenho para não continuar algo que, para mim, repito, não tem sentido.

 

Apesar do tom funesto de minha mensagem, quero lhe dizer que estou muito feliz com a minha opção. Encontrei o que precisava, no sentido religioso, e nos cultos afro toda a magia que sempre busquei, magia esta sem cerimônias elaboradas, sem parafernálias, sem capa e espada, simples e humilde, mas que funciona. Com ela pude ajudar inúmeras pessoas que não tinham mais esperanças, que não encontravam apoio e compreensão em lugar algum, que estavam sendo perseguidas por espíritos trevosos, os quais haviam desestruturado suas vidas. Todo o meu ímpeto de cavaleiro da justiça de Deus pôde ser empregado, com resultados quase que imediatos. Isso me deixou e deixa muito feliz. Nesta nova fase mágica, bastante distante da tradição ocidental que tinha, busquei conhecer com profundidade o que estava fazendo.

 

Um TFA

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