Por Mario Filho
Antes de dar a resposta à pergunta, quero fazer algumas considerações. Se não tiver paciência de lê-las, basta ir ao final do texto para ver a resposta!
Há alguns anos, uma pessoa que me é muito cara, Irmã em Orixá, teve o seguinte diálogo comigo:
- Ela: “- Bàbá, o Sr. conhece o livro do José Beniste, Jogo de Búzios?”
- Eu: “- Conheço, eu o tenho!”
- Ela: “- O livro é bom?”
- Eu: “- Como assim?”
- Ela: “- Dá para aprender a jogar búzios por esse livro?”
- Eu: “- Mas por que você quer um livro para aprender a jogar búzios?”
- Ela: “- É porque o Pai de Santo só vai me dar a ‘mão de búzios’ se eu provar que sei as quedas!”
- Eu: “- Mas ele não te ensinou?”
- Ela: “- Não, ele me mandou procurar um livro que ensinasse jogo para que eu conheça as quedas, para só depois me ensinar como ele joga. O Sr. pode me emprestar esse livro?”
- Eu: “- Claro que posso.”
Encerremos assim o diálogo.
Mais ou menos, na mesma época, tive outro diálogo com um Babalorixá, com a obrigação de 14 anos feita (em uma Casa de Candomblé tradicionalíssima do Rio de Janeiro) e já com alguns “Filhos de Santo” iniciados e exímio na realização de ebós:
- Ele: “- Pai, como é que o Sr. joga búzios?”
- Eu: “- Por Odù!”
- Ele: “- Como é que se joga assim, por Odù? O que é Odù?”
- Eu: “- Odù é a formação dos búzios na peneira. O número de búzios abertos que saem na peneira corresponde a um Odù.”
- Ele: “- E como é que o Sr. sabe o que cada uma das quedas quer dizer?”
- Eu: “- Pelo estudo! Cada Odù corresponde àquilo que a pessoa deve fazer em sua vida, as oferendas que deve fazer, o que seguir e assim por diante. Eu estudei e continuo estudando sobre o que significa cada Odù, de forma a poder entender o que acontece com a pessoa e poder responder às perguntas dela.”
Continuando eu o questionei: “ Mas como é que o Sr. joga búzios, como o Sr. sabe qual é o Orixá da pessoa, quais são as oferendas que deve fazer, como ela pode sair da situação em que se encontra?”
- Ele: “Pela intuição! Eu uso os búzios apenas para não me distrair. Eu jogo os búzios e espero vir alguma coisa na minha cabeça, alguma intuição!”
- Eu: “- O Sr. não interpreta os Odùs?”
- Ele: “- Não, aliás eu nem sei o que cada uma das quedas quer dizer! Eu nuca aprendi isso!”
- Eu: “- O Sr. não aprendeu com o seu Pai de Santo a jogar búzios? O Sr. não teve que mostrar seu conhecimento das quedas quando deu sua obrigação de 07 anos?”
- Ele: “- Sim, ele me ensinou a jogar como eu te falei. Ele me mandava jogar os búzios e esperar vir a intuição e é assim que eu faço! Quando tomei a obrigação de 07 anos e recebi meus direitos, foi assim que fiz!”
- Eu: “- Entendi!”
Também encerramos assim esse diálogo.
Coloquei dois exemplos diferentes para que o leitor possa entender o que quero dizer com esse texto.
O oráculo conhecido no Brasil como “Jogo de Búzios” e na Nigéria “Owó Ẹyọ Mẹ́rìndílógún” (dezesseis búzios) é uma forma oracular da tradição afro-brasileira e de matriz africana, sendo uma das formas pela qual as pessoas podem consultar Ọ̀rúnmìlà e/ou outros Orixás, que está inserido no sistema divinatório Yorùbá. Nessas consultas, que podem ser feitas para a própria pessoa que joga ou para qualquer outra, o Sacerdote tentará “ver”/”olhar” a mensagem que o Odù formado transmite a ele. Para que o Sacerdote saiba o que quer dizer aquele Odù ele deve estudar muitos anos, de forma a aprender, sem dúvidas, o que cada um dos Odùs significa. Não há, para a consulta ao oráculo, nenhum tipo de transe. Não se espera ouvir alguma “voz do além”, não se espera a “incorporação” de alguma “entidade espiritual” para que ela interprete o que o Odù quer dizer, enfim, só é possível jogar búzios quando se sabe o que cada Odù quer dizer por meio das histórias (itàn) que estão ligadas a ele, bem como as diversas prescrições que ele traz.
Outra pergunta, então, surge: “- Como se pode aprender a interpretar os Odùs?” Respondo: há três maneiras! A primeira é aprender com seu Sacerdote, se ele souber e se ele se dispõe e quer ensiná-lo; a segunda é fazendo um curso com quem saiba, comprovadamente; e a terceira é adquirindo um bom livro. Vamos avaliar cada uma dessas maneiras:
- 1ª – Aprender com seu Sacerdote: creio ser essa a melhor maneira; entretanto dois problemas surgem: o Sacerdote se propõe a ensinar? ou o Sacerdote sabe o que ensinar? É necessário que as duas perguntas sejam respondidas afirmativamente, a fim de que o iniciado possa realmente aprender. Sabe-se, infelizmente, que muitos Sacerdotes não querem ou não podem ensinar o Jogo de Búzios aos seus “Filhos de Santo”. Não vou discutir as razões para isso, mas é uma realidade com a qual temos que lidar;
- 2ª – Aprender por meio de cursos: também creio ser uma boa proposta essa forma de aprendizado; entretanto, é necessário que se saiba quem ministrará o curso e sua experiência como divinador (olhador). Não conheço todos os cursos que são ministrados, mas temos, como exemplo, os cursos que eram ministrados pela saudosa Ialorixá Sandra Epega, bem como os cursos que são ministrados pelos Sacerdotes nigerianos Sikiru Salami (Prof. King) e Ogunjimi ou pelo Babalorixá Marcelo Monteiro;
- 3º – Adquirindo um bom livro: creio ser essa alternativa uma boa ideia; entretanto, é necessário que se saiba o que é um bom livro sobre o Jogo de Búzios e isso eu não posso lhes dizer, cada um terá que encontrar o seu próprio parâmetro de avaliação. Há alguns livros que conheço (e alguns deles eu os tenho) cujos autores se esforçaram em escrever sobre o Jogo de Búzios, entre eles posso citar: José Beniste (Jogo de Búzios: um encontro com o desconhecido, Ed. Bertrand Brasil), Agenor Miranda Rocha (Caminhos de Odu, Ed. Pallas), Marcelo Monteiro (Mérìndilogun: curso teórico e prático de jogo de búzios, s/ed.), Júlio Santana Braga (O Jogo de Búzios: Um Estudo de Adivinhação no Candomblé, Ed.Brasiliense), Tancredo da Silva Pinto (O Jogo dos Búzios, Ed. Eco), Fernandes Portugal (Manual prático do jogo de búzios por Odù e pelo jogo da Oxum: preceitos, iniciação e vivência, Ed. Cristális), Jorge Alberto Varanda (O Destino Revelado No Jogo De Búzios, Ed. Eco), Adilson Antônio Martins (O Jogo de Búzios por Odu, Ed. Pallas), Ronaldo Antônio Linares (Jogo de Búzios, Ed. Madras), Nívio Ramos Salles (Búzios: a Fala dos Orixás, Ed. Pallas) que deram sua interpretação de cada um dos Odùs, segundo aquilo que aprenderam e a visão da tradição em que estão inseridos e seguem. Cito, também, os autores: Willian Russel Bascom (Sixteen Cowries: Yoruba Divination from Africa to the New World, Ed. Indiana Universtity Press), Awo Falokun Fatunmbi (Merindinlogun: Orisa Divination Using 16 Cowries, Ed. CIPP) e Nia Jones-Morgan (Merindilogun Folktales: The Morals of the Patakis Relating Today’s Lifestyles, Ed. Artistic Engine LLC), Àbíkẹ́ Adéṣuyì (The Practice of Eerindinlogun Divination of Oore Yeye Osun Deity, Ed. Hosanna Printers) em inglês, que também trazem informações sobre o Jogo de Búzios.
Por sorte, tive um Sacerdote, Bàbá José Roberto de Lagorô, o qual morou quatro anos na Nigéria, especificamente em Ọ̀yọ́, que me ensinou a jogar búzios. Mesmo assim, fiz dois cursos de aperfeiçoamento com o Bàbá King, um curso com Bàbá Ogunjimi e comprei quatro livros de Sacerdotes Yorùbá que escreveram sobre o Owó Ẹyọ Mẹ́rìndílógún, a fim de melhor conhecer e assim interpretar o que cada um dos Odùs significam e transmitem.
Em face do exposto, não resta dúvidas que é possível sim aprender a jogar búzios em cursos. Essa é uma forma de se transmitir um ensinamento vivo, que é acessível a qualquer iniciado em Orixá. Além disso, ministrar cursos em que se aborde o que é o Jogo de Búzios, o que significam os Odùs, quais são as oferendas recomendadas, o que se deve ou não fazer etc., como informação, para esclarecimento das pessoas, não é nenhuma “quebra” de juramentos ou exposição de “segredos”, pois como já mostrei há inúmeros livros que tratam do assunto, cujos autores são referência ao Candomblé e à Umbanda.
Além disso, temos na Internet um sem-número de apostilas que ensinam o jogo de búzios, as quais são acessíveis a qualquer um, basta uma procura pela Rede.
Assim, não seja preconceituoso. Não condene aqueles que querem ensinar as pessoas, pois isso é um desserviço, não acrescenta nada. Se tiver críticas a fazer, elas são bem vindas, mas conheça, primeiro, quem está ministrando o curso, veja sua trajetória iniciática, comprove seu conhecimento, para depois apontar os erros, caso os encontre. Não meça as pessoas pela sua régua!