Templo Caboclo Pantera Negra

Importância do estudo da mitologia africana

Por Mario Filho

 

É essencial que os Umbandistas conheçam a mitologia africana e não apenas a nagô, mas todas aquelas que se ligam ao “panteão” adotado na Umbanda. Por exemplo: Omolu e Nanan não são Orixás de origem nagô (provavelmente sejam de origem nupê, tapá, ou mahi, não há um consenso), mas foram agregados ao panteão nagô, pela sua importância e força.

 

Segundo o africano Prof. Dr. Sikiru Salami (que mora no Brasil) o Orixá Omolu não é original do povo nagô, mas todos, hoje em dia, na Nigéria o cultuam por ser um Orixá extremamente benfazejo. Isso rebate a acusação de que Omolu ou Obaluaiyê mandariam pestes às pessoas, mas ao contrário, cura-as delas.

 

Falando-se, então, dos mitos: Joseph Campbell, um dos maiores antropólogos, em seus estudos sobre mitos mundiais, descobriu que todos eles são a mesma história, porém contadas com inúmeras variações e adaptadas à realidade de quem a conta. Seus detalhes são diferentes em cada cultura, mas, fundamentalmente, são sempre iguais. Ainda declara Campbell: “…toda cultura antiga e pré-moderna utilizava uma técnica ritmada para contar histórias retratando os protagonistas e antagonistas com certas motivações e traços de personalidade constantes, num padrão que transcende as fronteiras da língua e da cultura”.

 

Assim, podemos concluir que é necessário sim discutirmos e estudarmos a mitologia africana, riquíssima, que deve servir, assim como os demais famosos mitos, tais como os nórdicos, os gregos e os romanos, de base para nosso aprendizado moral e religioso, pois como podemos ver todos tem a mesma origem e falam da mesma coisa. É fundamental que o umbandista estude, e muito, tudo aquilo que cerca o mundo dos Orixás, Inkices, Voduns e Entidades!

 

Infelizmente o que temos visto é a clara imposição daquilo que o Prof. Mário Teixeira de Sá Júnior chama de “embranquecimento umbandista”, ou seja, o afastamento proposital da Umbanda de suas origens africanas, de sua “negrura”, perpetrado pelos “intelectuais umbandistas” que foram influenciados pela discriminação racial no Brasil, especialmente entre o término da escravidão e o fim da Era Vargas.

 

Vamos discutir um pouco sobre esse assunto, analisando alguns fatos históricos:

 

Como se sabe, em 1941, a União Espírita da Umbanda no Brasil, primeiro órgão federativo de Umbanda em nosso país, realizou a 1ª Conferência sobre o Espiritismo da Umbanda, inclusive com a participação de Zélio Fernandino de Moraes (pois foi o Caboclo das Sete Encruzilhadas que determinou que se fizesse o Congresso), que foi uma tentativa para definir e codificar a Umbanda como uma religião com direitos próprios. A conferência foi e ainda é conhecida por promover o distanciamento da Umbanda das religiões Afro-brasileiras existentes à época (Macumba, Cangerê, Cabula, entre outros). Os participantes concordaram em fazer dos trabalhos de Allan Kardec a doutrina da Umbanda. Lembro aos leitores que nessa conferência estavam presentes todos os maiores expoentes da Umbanda no Brasil, além de todos os dirigentes das 7 Casas fundadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas.

 

Nesse esforço para legitimar a Umbanda como uma religião original e evoluída os participantes procuraram cortá-la, totalmente, de suas raízes Afro-brasileiras, concluindo que:

 

 

Os participantes se esforçaram, portanto, em associar a Umbanda com coisas como as tradições religiosas esotéricas européias e as novas correntes religiosas da Índia, representada especialmente por Vivekananda e pelas ideias teosóficas de Helena Petrovna Blavatsky, que estavam na moda naquela época.

 

Não devemos utilizar definições da Sociedade Teosófica, ou de afirmações de sua maior expoente, H. P. Blavatsky, como doutrina umbandista, pois o que ela diz é uma deturpação de parte do hinduismo, que deve ser estudado como um todo. A questão de raças, exemplificado por ela, não está em consonância com os maiores estudiosos do hinduismo, que não falam dessa questão de raças superiores e inferiores como ela expõe. Essa é mais uma teoria eurocentrista e ocidental, que visa dar uma superioridade à raça branca, em detrimento de todas as outras raças.

 

Houve, ainda, mais dois Congressos: o segundo realizado em 1961, organizado por Leopoldo Bettiol, Oswaldo Santos Lima e Dr. Armando Cavalcanti Bandeira, e o terceiro foi organizado e presidido pelo Dr. Armando Cavalcanti Bandeira. Todos os Congressos foram no Rio de Janeiro.

 

O Dr. Cavalcanti Bandeira, autor do livro “O que é a Umbanda”, refuta que a origem do nome Umbanda venha do sânscrito, mas sim da língua bantu. Afirma, também, que não quer que se “reafricanize” os rituais de Umbanda, pois diz que assim “ela voltará para trás” (mais uma vertente do racismo instituído pela doutrina kardecista aplicada no Brasil).

 

Voltando à questão do Candomblé, que alguns Irmãos umbandistas abominam, podemos perceber que naquela época (a do 1º Congresso) o Candomblé estava centralizado no Nordeste do Brasil e era olhado como um estágio anterior da Umbanda, que havia se desenvolvido no Sudeste, ou seja o Sudeste é melhor que o Nordeste, bem racista, não! Isso é visto até hoje!

 

O Candomblé, segundo diziam, estava ainda marcado pela barbárie dos rituais africanos e assim é associado com a magia negra. A lavagem branca da origem da Umbanda se expressa em termos como “umbanda pura”, “umbanda limpa”, “umbanda branca” e “umbanda da linha branca” no sentido de “magia branca”. Esses termos contrastavam com magia negra e linha negra que estavam associados com o mal. Além disso, a divisão dos espíritos estabelecida desenhou a linha entre aqueles da direita (bons), representados pela Umbanda, e os espíritos da esquerda (maus), representados pela magia negra ou por aquilo que não era considerado Umbanda (Macumba, Quimbanda, Cangerê etc). As únicas instâncias de identificação positiva da influência africana da Umbanda tem a ver com os Pretos Velhos (que eram vistos como pessoas simples e humildes, mas espíritos muito evoluídos, pois haviam se submetido), e com a África como um continente heróico e sofredor.

 

Uma obra que tenho, que data do ano de 1953, chamada “Umbanda Sagrada e Divina”, escrita por Paulo Gomes de Oliveira, famoso jornalista carioca, que tinha um programa de rádio no qual falava sobre Umbanda e que dava palestras sobre ela desde 1930, diz:

 

“As tendas de Umbanda surgiram com a Umbanda evoluída (quer dizer que havia uma outra Umbanda?), ou seja, despida de muitas tradições obsoletas e revestida do Espírito evangélico cristão. O culto jêje-nagô (para o autor é uma coisa só) tem sua origem nas relações fetichistas sudanesas, e é esta coisa esquisita e estranha que se observa nos chamados Candomblés e Cangerês, onde a ignorância, a par de um enfermiço misticismo idólatra, estendeu seu nefasto império de superstições, enchendo a alma de seus adeptos de vibrações negativas, e dos complexos originários de crendices e vícios. Usam vestimentas esquisitas e bisonhos títulos. Praticam uma série de atos verdadeiramente chocantes e ridículos, revelando um acentuado desequilíbrio nervoso que somente afeta o delicado organismo psicológico. Atualmente admitem a mescla de todas as religiões, formando um ecletismo absurdo e nocivo. Os locais de trabalho estão revestidos de símbolos exclusivamente materiais e tudo respira uma atmosfera de idolatria áulica, perigosa aos destinos do Espírito. Acredito que, evoluindo através do estudo, venham a se transformar em Umbanda”.

 

Este texto acima reflete muito bem o pensamento que, hoje, após mais de cinqüenta anos, muitos umbandistas têm, infelizmente.

 

Por essas e por outras não podemos julgar os Irmãos que denigrem os ensinamentos contidos no Candomblé, achando-os atrasados, falhos, sem nenhuma base espiritual. É nossa obrigação afastar esse tipo de pensamento dos umbandistas. Não podemos aceitar que digam que essa ou aquela prática é fetichista, atrasada, “magia negra” etc, sem a conhecê-la muito bem. Acusar os outros é fácil!

 

A mitologia africana se assemelha e em muito à mitologia grega, com seus casos amorosos, traições, brigas, ciúmes, usurpação do poder etc. É a chamada antropomorfização. Isso aconteceu em todas as culturas. Não é possível nós termos divindades tão longe de nós. Elas têm que se aproximar dos seres humanos. Têm que odiar, amar, pensar, sentir, enfim, serem humanos como nós. Vocês acreditam que realmente Ògún (Ogum) desceu do céu em uma corrente ou teia de aranha, e abriu caminho com seu facão para os demais Orixás poderem andar na Terra? Você acredita que Obà (Obá) cortou sua orelha para cozinhá-la para Sàngó (Xangô), pois Òsún (Oxum) lhe disse que este adorava um ensopado de orelha? Você acredita que Ògún brigou com Sàngó por causa de Oya (Iansã) e ficaram inimigos para sempre? Meus Irmãos isso tudo são lendas para nos fazer pensar nas coisas. São mitos. O mito é sempre uma representação coletiva, transmitida aos descendentes para explicar o mundo. Ele é ainda sentido e vivido. Circunscreve um acontecimento, narra uma criação, diz do que não existia e como passou a existir. Segundo Goethe em citação de Campbell (1997), os mitos são as relações permanentes da vida. Fala sempre das relações humanas e não é nem poderia ser lógico, pois se presta a todas as interpretações.

 

Moyers no livro de J. Campbell (O Poder do Mito) diz: “Mitos são histórias de nossa busca de verdade, de sentido, de significação, através dos tempos… Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos”. Para Jung, mito é a conscientização de arquétipos do inconsciente coletivo, uma união de consciente e inconsciente coletivo, assim como as formas através das quais o inconsciente se manifesta. O mito é aquele que remete, o rito é sua ação. Na mitologia grega podemos observar o relacionamento dos mitos sobre curas fantásticas e dons cedidos pelos deuses, além da eterna busca de contato com estes por parte do povo. Visitando os templos, fazendo oferendas, erguendo altares e consultando os sacerdotes, estes sim que – em transe – teriam um contato direto com os deuses.

 

O Dr. Bernardo de Gregório diz: “Na Antigüidade o ser humano não conseguia explicar a Natureza e os fenômenos naturais, então, dava nomes ao que não podia explicar e passava a considerar os fenômenos como deuses. O trovão inspirava um deus, a chuva outro. O céu era um deus pai e a terra, uma deusa mãe e os demais seres, seus filhos. Criava, a partir do Inconsciente, histórias e aventuras que explicavam de forma poética e profunda o mundo que o rodeava. Estas “histórias divinas” eram passadas de geração para geração e adquiriam um aspecto religioso, tornando-se mitos ao assumirem um caráter atemporal e eterno, por dizerem respeito aos conflitos e anseios de qualquer ser humano de qualquer tempo ou local”. Vemos, portanto, que a experiência mítica é característica de todos os povos e culturas. É a forma de explicarmos a religião e o sentimento religioso. Dá-nos ferramentas para entender e conceituar nossa experiência religiosa e justificar nossas práticas.

 

Referências

BANDEIRA, Armando Cavalcanti. O que é a Umbanda. Rio de Janeiro: Ed. Eco, 1972.
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo: Ed. Palas Athena, 1999.
OLIVEIRA, Paulo Gomes de Oliveira. Umbanda Sagrada e Divina. Rio de Janeiro: Ed. Aurora, 1953.
SÁ JR., Mário Teixeira de. A invenção da alva nação umbandista. Dourados: UFMS, 2004.

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