Por Mario Filho
Há alguns dias atendi a um telefonema e a pessoa que ligava me perguntou: “Ai é uma Terreiro de caridade?” Sem entender, pois estava muito atarefado, respondi: “Não entendi sua pergunta, o que a Senhora quer dizer?” A pessoa me respondeu: “Eu quero saber se é cobrado algum valor para fazer a consulta.” Respondi: “Não, não cobramos nada. As consultas em nosso Terreiro são gratuitas.” Ela disse, então: “Obrigada, vou visitar sua casa!” Despedi-me, com um “até logo”, mas ela não veio nos visitar.
Entretanto, a pergunta inicial dessa pessoa me deixou encafifado. Sempre fui avesso a entender um Terreiro de Umbanda como uma Casa de caridade apenas por não cobrar nada daquelas pessoas que o frequentam. O conceito de caridade, grosso modo, é ajudar as pessoas sem esperar nada em troca. Entretanto, numa forma mais elaborada, a caridade é dar a outrem aquilo que lhe fará falta. Por exemplo: estou com muita fome e só tenho um pedaço de pão para aplacá-la; de repente surge uma pessoa, aparentemente com muita fome também, e me pede o pão. Eu o dou à pessoa, que satisfará sua fome, enquanto eu permanecerei faminto e agradecerei por isto, não esperando recompensas ou agradecimentos por isso. Temos, assim, a verdadeira caridade!
Desta forma, imaginar que a caridade da Umbanda é não cobrar por algum atendimento é um enorme erro, pois mesmo se houver algum tipo de cobrança, tais como velas, a caridade continuará existindo.
Deixe-me explicar: o médium de um Terreiro de Umbanda passa anos se preparando para exercer, de forma satisfatória, sua mediunidade. Ele faz oferendas; toma banhos e mais banhos de ervas; passa por rituais, desde os mais simples aos mais elaborados; faz períodos constantes de resguardos (nos quais não come carne, não pratica sexo, não entra em cemitérios, velórios e hospitais) e jejuns; troca uma ou mais noites de sua semana para ficar no Terreiro, limpando-o, arrumando-o, ajudando na elaboração de rituais, atendendo as pessoas etc, em vez de estar com sua família ou fazendo algo para si mesmo; faz diversos cursos sobre ervas, velas, pedras etc; compra livros e mais livros e os lê, buscando seu aprimoramento intelectual; decora músicas, cantigas, rezas, uso litúrgico e religioso de ervas, sementes e raízes; compra velas, charutos, material para as oferendas, roupas brancas, adereços que vão enfeitá-lo quando sua entidade se manifesta etc, enfim ele gasta do dinheiro dele, do tempo dele, da vida dele para se aprimorar e dar conta daquelas pessoas que vão a um Terreiro. Essa é a verdadeira caridade que o médium de um Terreiro exerce, não há outra.
Quando se cobra algo para passar em consulta, na verdade, esse algo não é destinado ao médium, mas à Casa, de forma que esta tenha condições de continuar existindo, pois não é fácil para o Sacerdote ou Sacerdotisa manter uma Casa de Umbanda sozinho ou contar com a colaboração dos seus médiuns, que, com poucas exceções, pensam como aquela pessoa que me ligou, ou seja, acreditam que tudo deve ser de graça e azar do ou da Dirigente, que deve arcar com as despesas, sejam elas quais forem!
Como disse no início desta postagem, não cobramos para atendimento com as entidades, mas só por isso não posso dizer que nosso Terreiro seja uma Casa de caridade. Posso afirmar, no entanto, que o Templo Espiritual “Caboclo Pantera Negra” (Ilé Mímọ́ Àmọ̀tẹ́kùn Dúdú), o qual dirigimos, É UMA CASA DE CARIDADE, pois possui pessoas que oferecem seu tempo, sua vida, seus momentos de lazer e sua relação com a própria família para serem veículos de entidades, para serem seus porta-vozes, de forma a oferecerem acalanto, palavras amigas, conforto e bem estar a pessoas que nem ao menos conhecem. Isto é caridade!
É por esse motivo que discordo do adágio espírita: “Fora da caridade não há salvação”, que afirmam ser este um adágio cristão. Apesar de entender o quanto a doutrina espírita influenciou e influencia a Umbanda, essa afirmação não corresponde ao próprio cristianismo, pois, na verdade, a salvação vem somente de Deus, como se pode ver nos seguintes versículos bíblicos:
“A minha alma espera somente em Deus; Dele vem a minha salvação.” (Salmos 62:1);
“A salvação vem de Deus; sobre o Teu povo seja a Tua bênção.” (Salmos 3:8);
“Mas a salvação dos justos vem do SENHOR; Ele é a sua fortaleza no tempo da angústia.” (Salmos 37:39);
“Mas eu te oferecerei sacrifício com a voz do agradecimento; o que votei pagarei. Do SENHOR vem a salvação. (Jonas 2:9);
“Certamente em vão se confia nos outeiros e na multidão das montanhas; deveras no SENHOR está a salvação.” (Jeremias 3:23)
Da mesma forma, no conceito bíblico, as obras não são, por si, elementos de salvação, pois as obras sem a fé não levam ninguém à salvação! Assim, é um absurdo achar que sem caridade não há salvação. A salvação só existe por Deus e Ele salva quem quiser e não há modo de nós, humanos, medirmos ou quantificarmos os meios que Ele usa e dispõe para salvar-nos ou não. Dessa forma, é necessário que o conceito de caridade tão propalado pelas Casas de Umbanda seja revisto, que seu contexto seja modificado, a fim de que se observe que os médiuns são, em princípio, caridosos por si só, pois dedicam-se, em todos os sentidos, como já explicitei anteriormente, para ajudar sem esperar nada em troca.
Umbanda não é espiritismo, portanto, não podemos nos aferrar em conceitos espíritas para afirmarmos o que fazemos ou não!
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